23°C 24°C
Salvador, BA
Publicidade

O futuro do aluguel no Brasil: de solução provisória a estrutura permanente da moradia

Apesar dessa tendência, o aluguel ainda é visto por grande parte da população como uma etapa provisória, algo a ser superado rumo à conquista da casa própria

03/07/2025 às 09h00
Por: Redação
Compartilhe:
Isadora Moraes, Diretora de Novos Negócios da Alpop
Isadora Moraes, Diretora de Novos Negócios da Alpop

Nas últimas duas décadas, o aluguel residencial no Brasil passou por uma transformação profunda, ainda que silenciosa. Em 2000, apenas 14,2% dos domicílios ocupados eram alugados. Mais de vinte anos depois, esse número ultrapassa a marca de 16 milhões de moradias, representando cerca de 20% dos lares urbanos no país. O dado, revelado pelo Censo de 2022, é resultado de um avanço contínuo da locação em ritmo superior ao do crescimento geral de domicílios.


Entre 2000 e 2010, os imóveis alugados cresceram a uma taxa de 5,07% ao ano, enquanto o total de residências avançou apenas 2,23%. Já entre 2010 e 2022, a locação manteve crescimento de 3,63% ao ano, frente aos 2,5% dos domicílios em geral. No acumulado, o aluguel evoluiu a um ritmo composto de 4,19% ao ano, evidenciando seu papel crescente na estrutura habitacional brasileira.


Apesar dessa tendência, o aluguel ainda é visto por grande parte da população como uma etapa provisória, algo a ser superado rumo à conquista da casa própria. Segundo levantamento do Ipsos Housing Monitor 2025, 72% dos brasileiros ainda veem a posse do imóvel como um ideal a ser atingido. No entanto, o que antes era considerado um desvio temporário do caminho tradicional, hoje se impõe como uma escolha ou condição mais duradoura. A locação, cada vez mais presente em um mercado habitacional complexo e multigeracional, deixa de ser um recurso emergencial para se tornar elemento estruturante da moradia urbana no país.


Essa mudança de comportamento não ocorre isoladamente. Ela é impulsionada por condições estruturais como o encarecimento dos imóveis, o crédito imobiliário mais restrito, a estagnação da renda média e o aumento da informalidade nos rendimentos. Somam-se a isso novas configurações familiares, como lares monoparentais ou compartilhados, além da valorização crescente da mobilidade e da flexibilidade  especialmente entre os mais jovens. O resultado é um cenário em que alugar não é apenas inevitável, mas muitas vezes preferível. Ainda assim, o setor enfrenta desafios significativos.


Uma pesquisa recente revelou que quase metade dos locatários brasileiros (49%) não acredita que conseguirá comprar um imóvel em algum momento da vida. Entre os jovens com menos de 35 anos, esse ceticismo é ainda maior: 70% afirmam que é mais difícil acessar moradia hoje do que foi para seus pais. 


A insatisfação também é um dado relevante. Apenas 47% dos inquilinos estão satisfeitos com sua condição atual de moradia, em comparação a 70% dos proprietários. Em países com maior proteção legal ao inquilino, como Alemanha, Holanda e Suécia, essa diferença tende a ser menor. No Brasil, porém, onde mais de 90% dos contratos seguem na informalidade, o aluguel ainda é associado à precariedade, e não à estabilidade.
A ausência de uma política habitacional voltada à locação aprofunda esse quadro. Embora o aluguel represente hoje um quinto dos domicílios urbanos, as políticas públicas continuam majoritariamente orientadas para a aquisição de imóveis, com foco em subsídios diretos e financiamento. A nova fase do programa Minha Casa, Minha Vida incluiu a possibilidade de uso da locação, mas ainda de forma incipiente e sem estrutura institucional definida. Iniciativas locais, como programas de reabilitação urbana e retrofit de edifícios em centros degradados, seguem como exceções e carecem de escala. Essa lacuna tem consequências diretas: milhões de famílias que dependem do aluguel não encontram no mercado soluções formais, seguras e acessíveis. O déficit habitacional brasileiro, portanto, não se resume à ausência de unidades, mas também à inadequação da oferta existente à diversidade de realidades, como mães solo, trabalhadores informais, migrantes urbanos e jovens em início de vida produtiva.


Diante da inércia estatal, o setor privado tem buscado alternativas para ampliar o acesso à locação com qualidade e segurança. Um exemplo é a Alpop, proptech brasileira especializada em locação para famílias com renda média e informalidade. A empresa desenvolveu uma tecnologia própria de análise de crédito, baseada em mais de 22 parâmetros socioeconômicos e cadastrais, o que permite avaliar com mais precisão o risco de inadimplência. 


Com mais de 10 mil famílias atendidas e R$ 180 milhões em ativos sob gestão, a empresa se destaca por automatizar contratos, reduzir burocracias e estabelecer parcerias com centenas de empresas. Iniciativas como essa integram um movimento mais amplo de transformação do setor, que aposta em tecnologias como análise de risco preditiva, tokenização de contratos e modelos híbridos de moradia, como aluguel com opção de compra ou cashback.


Ao mesmo tempo, esse movimento esbarra em fragilidades estruturais. A crise de governança entre garantidoras e imobiliárias, apontada em artigo recente do especialista Caio Belazzi, revela os riscos de operar com modelos desconectados da realidade econômica da população. Estruturas frágeis e mecanismos de garantia mal calibrados acabam gerando mais instabilidade do que proteção. Por isso, o avanço tecnológico precisa vir acompanhado de solidez financeira, transparência regulatória e foco em impacto social.
Para que o aluguel possa se consolidar como estratégia legítima de acesso à moradia, especialistas apontam três frentes urgentes: a criação de uma política pública nacional de locação social, com subsídios diretos e fundos garantidores; o fortalecimento de instrumentos financeiros, como Certificados de Recebíveis Imobiliários lastreados em renda de aluguel e parcerias público-privadas habitacionais; e a integração da locação à política urbana, por meio da reabilitação de imóveis ociosos, ativação de áreas centrais e promoção de usos mistos com infraestrutura e mobilidade já existentes.


No Brasil, morar com dignidade não pode ser sinônimo apenas de ter uma escritura em mãos. Alugar não é o contrário de pertencer. Em um país historicamente desigual, o aluguel tem potencial para ser um instrumento legítimo de inclusão, estabilidade e proteção social.
Para isso, é preciso reconhecer sua importância, superar preconceitos e estruturar o setor com base em dados, inovação e justiça habitacional. O futuro da moradia no país será mais justo, acessível e plural na medida em que for capaz de incorporar o aluguel como parte da solução  e não como sinal de fracasso.

 

* O conteúdo de cada comentário é de responsabilidade de quem realizá-lo. Nos reservamos ao direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou que contenham palavras ofensivas.
500 caracteres restantes.
Comentar
Mostrar mais comentários
Lenium - Criar site de notícias