O segundo projeto de lei complementar de regulamentação da reforma tributária, que já passou pela Câmara, segue para o Senado sem a emenda que tentava alterar o texto para que o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) fosse cobrado com base no valor dos contratos de compra e venda. A proposta que será analisada pelo Senado prevê utilizar para o cálculo do imposto o maior valor entre o venal (valor de mercado negociado à vista em condições normais) ou o de transferência (aquele registrado em cartório). Especialistas ouvidos pelo Valor Investe comentam se o texto prejudica ou beneficia o cenário para a pessoa física.
Atualmente, a legislação prevê que o ITBI incide sobre a transferência do bem fora do contexto de heranças e não há unanimidade entre os municípios sobre o momento de exigência do tributo, se na escritura ou no registro do imóvel. A base de cálculo a ser adotada para o imposto - valor venal de referência, valor para fins de cálculo do IPTU ou valor de mercado - é tema de discussão há bastante tempo.
O parecer aprovado na Câmara permite uma cobrança sobre o valor venal ou de transferência, o que for maior, e não sobre o valor da venda em si. Ou seja, quem compra um imóvel por R$ 500 mil cujo valor de mercado é R$ 800 mil, terá que pagar o percentual do ITBI sobre sobre o valor mais alto, que pode ser superior ao que foi efetivamente pago na transação.
Waldir de Lara, advogado e fundador da Larafy Contabilidade, entende que a proposta de legislação pretende evitar que imóveis sejam declarados com valores abaixo do mercado para reduzir o imposto. "Essa medida visa garantir que o imposto reflita o valor real da transação e traz maior previsibilidade para o comprador, que tem mais clareza na tributação, especialmente em locais onde há distorções entre o valor venal e o valor de mercado".
Já Georgios Anastassiadis, sócio do Gaia Silva Gaede Advogados, defende que ao não considerar que a base de cálculo seja apenas o valor de transferência, a pessoa física sai prejudicada. "O ITBI acaba majorado, a meu ver, indevidamente, pois a base de cálculo não deveria ser o valor de mercado. Não sou obrigado a transacionar um imóvel pelo valor de mercado. Posso comprá-lo por mais ou menos, conforme a vontade das partes, pois se trata de um direito privado e disponível", sustenta.
Na avaliação de Eduardo Krutman, sócio do RMMG Advogados, a redação atual gera novas controvérsias entre fisco e contribuintes.
"O texto objetiva estabelecer um critério único e claro, ou seja, tornar o processo de cobrança mais simples. Mas a redação acaba trazendo uma sistemática de apuração que dá margem para o fisco adotar um valor de base de cálculo diverso do valor de transferência do imóvel (constante no contrato). E também parece desalinhada do entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reconheceu que o valor adotado pelo contribuinte na transação reflete o valor real do bem".
O texto aprovado também possibilita aos municípios e Distrito Federal prever hipótese de antecipação do pagamento do ITBI opcional aos contribuintes, bem como a fixação de uma alíquota inferior do imposto caso ele seja pago antecipadamente. Isso valerá inclusive para os contratos de promessa de compra e venda do imóvel (na planta).
Leonardo Alves de Abreu, advogado do Moreau Advogados, também compartilha da visão que o projeto com o segundo pacote de medidas da reforma tributária impacta as conquistas obtidas pelos contribuintes no Judiciário e abre espaço para práticas fiscais que podem ser abusivas.
"Para investidores pessoas físicas, essas possíveis alterações representam um risco à segurança e à previsibilidade oferecidas pelas regras atuais. Para empresas do setor, as novas propostas podem significar custos adicionais e maior burocracia nas operações, enquanto os municípios vislumbram um aumento na arrecadação".
Regras vigentes e impostos aplicáveis
ITBI: Continua sendo calculado com base no maior valor entre o venal e o de transferência. A alíquota do ITBI varia conforme o município, normalmente entre 2% e 3%.
Outros encargos: O comprador também pode estar sujeito a custos com cartório e registro, além do eventual imposto de renda sobre ganho de capital, se o imóvel for vendido futuramente com lucro.
Debate no Senado
A reforma tributária foi aprovada no fim do ano passado, mas precisa de regulamentação para ser aplicada. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), esperava para esta segunda-feira (4) que o relatório fosse votado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), com o texto seguindo direto para o Plenário. Mas o cancelamento de audiências públicas na CCJ alterou o calendário proposto pelo relator da proposta, senador Eduardo Braga (MDB-AM). A expectativa era do parecer sobre a reforma ser entregue até o fim do mês. Como os senadores farão modificações de mérito, o projeto precisará retornar para nova votação na Câmara dos Deputados.
A Câmara dos Deputados tem pressa para que o Senado devolva o projeto da tributária, para poder votar ainda neste ano e enviar para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os presidentes da Câmara e do Senado querem terminar seus mandatos com a regulamentação sancionada pelo governo. Esse também é um desejo da equipe econômica do presidente Lula, mas o prazo tem se mostrado cada vez mais apertado.
A regulamentação é o segundo passo para a implementação efetiva do sistema tributário, prevista para começar em 2026 e ser concluída no início de 2033.
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