Já em uma “batalha” para manter os juros atrativos nos financiamentos imobiliários em meio à redução da poupança, a Caixa Econômica Federal avalia que a perspectiva de aumento da Taxa Selic nesta quarta-feira apressa a busca do setor por novas fontes de recursos para bancar o crédito habitacional.
A depender da evolução da Selic e da captação na poupança até o fim deste ano, a vice-presidente de Habitação da Caixa, Inês Magalhães, diz que o banco “terá de fazer conta” em relação aos juros cobrados dos seus clientes, mas que o assunto não está na “ordem do dia”.
A retomada do ciclo de aperto monetário é esperada por 114 das 126 instituições financeiras e consultorias ouvidas pelo Valor Data. A maioria (108) espera uma alta de 0,25 ponto percentual, de 10,50% para 10,75% ao ano, enquanto outras seis veem aumento de 0,50 ponto, para 11%.
— A sinalização de alta de juros (pelo BC) quebra um pouco as nossas pernas, porque juros altos e financiamento habitacional são coisas incompatíveis praticamente. Somos um país com enormes desigualdades, então o custo do dinheiro é fundamental para o crédito habitacional — disse Inês Magalhães, em entrevista ao GLOBO.
A discussão sobre o futuro do funding para o financiamento da casa própria vem sendo liderada pelo Ministério da Fazenda em meio à queda dos investimentos na caderneta de poupança, principal recurso usado para bancar o crédito imobiliário. Uma das principais apostas era a estruturação do mercado secundário pela estatal Emgea, mas, na avaliação da VP da Caixa, essa proposta fica mais complexa em um cenário de Selic maior.
Fundos de pensão
Nesse contexto, grande parte das fichas está agora em uma estratégia para aumentar a participação de fundos de pensão em investimentos imobiliários. A ideia, segundo a VP da Caixa, é atraí-los para aplicações em Letras de Crédito Imobiliário (LCIs), Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs) e Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs). A participação dos recursos obtidos com esses títulos de renda fixa para bancar o financiamento habitacional vem crescendo nos últimos anos.
Esses papéis normalmente chamam a atenção dos investidores pela isenção de Imposto de Renda, o que aumenta a rentabilidade obtida. Mas as aplicações dos fundos de pensão já são isentas de IR, então seria necessário um benefício a mais para atraí-los, especialmente em um contexto de Selic nas alturas. O governo, então, vem estudando, segundo Inês, possíveis incentivos para os emissores de LCI, CRI e LIG, bancos e securitizadoras, na oferta a investidores institucionais. Uma opção, por exemplo, seria conceder benefícios tributários.
Atualmente, os investimentos imobiliários dos fundos de pensão somam R$ 37,7 bilhões, apenas 3,2% do total de recursos aplicados, segundo a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp).
Os bancos também vêm pedindo para que o BC reduza a alíquota de depósito compulsório da poupança de 20% para 15%, de modo a aumentar o direcionamento obrigatório de recursos para o crédito imobiliário, que hoje é de 65%. Inês, porém, afirma que essa alternativa está mais “difícil” diante das preocupações da autoridade monetária com a inflação.
Nos financiamentos realizados pelo Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), a Caixa usa atualmente um mix de funding de cerca de 70% da caderneta e 30% de LCI. Com essa composição, os juros do financiamento habitacional do banco começam em 8,99% ao ano, abaixo da Selic.
Os recursos da poupança são mais baratos, já que são indexados à Taxa Referencial, que rende hoje menos de 1% ao ano, com um adicional de 0,5% ao mês (6,1% ao ano) atualmente. Já a LCI é remunerada por um percentual do CDI, ligado à taxa Selic.
— As alternativas talvez venham a melhorar esse mix para continuar trabalhando com esse patamar de juros (de financiamento imobiliário). As melhores, do ponto de vista do valor, seriam a questão do compulsório e as alternativas de papéis para os investimentos dos fundos de pensão, que ainda não são imediatos, mas que terão que acontecer a partir do ano que vem.
Juros do financiamento
Segundo a VP, a discussão sobre um possível aumento de juros nos financiamentos da Caixa não está na “ordem do dia”. Mas ela afirma que o banco terá de “fazer conta” a depender da evolução tanto da taxa Selic quanto da captação do banco na poupança e de LCI.
No fim de agosto, o governo ajustou o prazo de vencimento mínimo da letra, de 12 para 9 meses, igualando-o ao da LCA, título similar voltado para o agronegócio. Até fevereiro, os dois papéis tinham prazo mínimo de 90 dias e a mudança gerou redução da demanda, apontam os bancos.
Com a mudança recente, a vice de Habitação da Caixa diz que o momento é de avaliar os efeitos na “arrecadação” com LCI e também na poupança, que vem mostrando um quadro um pouco melhor em 2024 em relação aos anos anteriores. No fim de 2020, o saldo era de R$ 801 bilhões, chegou a R$ 747 bilhões no final do ano passado e atualmente está em R$ 766 bilhões.
— A Caixa tem o papel de continuar fazendo o mercado rodar. Digamos que, como diz Ariano Suassuna, somos realistas esperançosos, de que vamos construindo alternativas e que não teremos que extrapolar (os juros atuais).
Caso tenha que aumentar, Inês afirmou que o banco pensará em fazer a mudança em faixas específicas, de modo a tentar proteger a baixa renda. Outra ideia do banco para o funding do crédito imobiliário é a emissão de títulos sustentáveis, considerando o forte apelo social do programa Minhas Casa Minha Vida.
MCMV
Em relação ao programa social, Inês Magalhães avalia que as condições de financiamento para o público-alvo talvez estejam atualmente em seu melhor momento, após as mudanças nas regras realizadas no ano passado. O MCMV é custeado por recursos da União e pelo FGTS, ou seja, está “protegido” dos efeitos da redução da caderneta.
O programa, que atende famílias com renda de até R$ 8 mil, foi citado por economistas como um importante fator para o crescimento do setor de construção no segundo trimestre, colaborando para a forte expansão do Produto Interno Bruto (PIB), de 1,4%. No período, as concessões de crédito imobiliário pela Caixa com recursos do FGTS aumentaram 55,1% ante o mesmo período de 2023.
Em agosto de 2023, o governo federal alterou as regras do programa, com a redução dos juros para os beneficiários que ganham até R$ 2.640 nas regiões Norte e Nordeste, além de aumento do prazo do financiamento, para 420 meses, e do limite do valor de imóvel, para R$ 350 mil.
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