Todos os dias, mais de 3,2 mil pessoas perdem a vida nas vias públicas das cidades do mundo. Para tornar as ruas menos inseguras, diferentes localidades vêm usando o design para readequar esses espaços, diminuindo a largura das faixas e introduzindo elementos como melhores calçadas, ciclovias e arte no asfalto.
Mais de duas mortes no trânsito são registradas a cada minuto no planeta, segundo dados do mais recente relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado em dezembro de 2023. Por dia, são cerca de 3,2 vítimas fatais de acidentes nas vias públicas, sendo essa a principal causa de óbito de crianças e jovens de 5 a 29 anos. Apesar do alto índice e de continuar se configurando como um problema global de saúde, o documento da OMS revela que, desde 2010, as mortes no tráfego tiveram uma queda de 5%, chegando a 1,19 milhão em 2023. Mesmo com essa redução, os números reforçam a urgência de ações para transformar as ruas em ambientes mais seguros para todos.
Do total de fatalidades no trânsito, 23% são pedestres, 21% condutores de motocicletas, 6% ciclistas e 3% são usuários de micromobilidade, como e-scooters ou patinetes, somando 53% dos sinistros. Já os ocupantes de carros e de outros veículos leves de quatro rodas chegam a 30% do total de acidentes. Outro ponto importante destacado pelo levantamento refere-se ao fato de que diversas pesquisas indicam que 80% das vias não atendem aos padrões de segurança para quem caminha e somente 0,2% tem ciclovias. A organização ressalta ser preocupante que apenas um quarto das nações conte com políticas para incentivar os cidadãos a andarem mais a pé e de bicicleta e a utilizarem o transporte público.
No Brasil, estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) demonstra que, entre 2010 e 2019, houve um aumento de 13,5% nas mortes no tráfego em comparação à década anterior, com 392 mil fatalidades. Os autores do relatório, apresentado no ano passado, salientam que os acidentes com motocicletas foram os responsáveis pelo crescimento dos sinistros, que dobrou no intervalo de tempo avaliado. Por outro lado, ocorreu uma diminuição na quantidade de óbitos por atropelamentos e nos casos envolvendo automóveis, mantendo o indicador estável. Essas ocorrências representam, conforme o Ipea, custos superiores a R$ 50 bilhões anuais, gerando impacto na economia devido aos gastos com previdência e à diminuição na renda das famílias atingidas, além dos custos hospitalares e dos danos patrimoniais.
Para entender a relação entre o desenho das ruas, a velocidade dos carros e o número de mortes no trânsito, um grupo de investigadores da Escola Bloomberg de Saúde Pública, da Universidade Johns Hopkins, fez um amplo mapeamento sobre as estratégias e a estrutura viária dos Estados Unidos e identificou, entre outros resultados, que as pistas de tráfego mais largas nas áreas urbanas são frequentemente menos seguras do que as estreitas, relata matéria da Forbes.
Eles descobriram ainda que veículos circulando em velocidades de 48 a 56 quilômetros por hora em faixas de 3 a 3,5 metros de largura tendem a verificar uma quantidade significativamente maior de acidentes do que nas pistas menores, de cerca de 2,7 metros. De acordo com o levantamento, em velocidades mais baixas, entre 32 a 40 quilômetros por hora, a largura da via não teve influência real no número de sinistros. As conclusões dos pesquisadores são baseadas em informações do comitê da Associação Americana de Oficiais de Rodovias e Transportes Estaduais – que define os critérios técnicos dos projetos de rodovias –, das regras, soluções e desafios enfrentados por cinco estados norte-americanos (Flórida, Califórnia, Vermont, Delaware e Oregon) no que se trata da largura das ruas e também no exame de dados nacionais sobre os reflexos da largura das faixas na segurança do trânsito.
Os autores do documento ponderam que estreitar e reaproveitar as pistas de rolamento responderiam a uma das grandes dificuldades dos municípios dos Estados Unidos atualmente: melhorar a segurança nas vias públicas para todos os indivíduos, acomodar calçadas e ciclovias de uma maneira rentável e elevar a capacidade viária por meio da multiplicidade dos meios de locomoção e introduzir mais pessoas em um mesmo espaço. Naquele país, entre 2010 e 2018, foi apurado um incremento nas taxas de mortalidade de pedestres em mais de 40%, assinala a Forbes. Em 2021, mais de 7,5 mil cidadãos perderam a vida nas ruas norte-americanas e as fatalidades com ciclistas tiveram um aumento de mais de 44% no período de 2010 a 2020.
Entre os motivos para esse cenário citados por especialistas, segundo a Forbes, está a abordagem daquela nação para o sistema de transporte, com a priorização dos automóveis nas decisões de planejamento urbano, focando na construção de vias amplas, retas e planas que possibilitam uma movimentação rápida dos carros. Esse contexto vem levando uma quantidade cada vez maior de cidades a investir em design exatamente para acalmar o tráfego em regiões mais densas e, com isso, reduzir os riscos de acidentes.
O estudo realizado por integrantes da Escola Bloomberg de Saúde Pública coletou também informações sobre as características do desenho de 1.117 trechos de ruas de Dallas (Texas), Nova York (Nova York), Filadélfia (Pensilvânia), Salt Lake City (Utah), Miami (Flórida), Denver (Colorado) e Washington D.C. No trabalho, foram consideradas 18 variáveis, como o número de pistas e sua largura, presença e extensão de calçadas, ciclovias e de estacionamento nas vias, tipo de acostamento e canteiro e quantidade de pontos de ônibus.
Além disso, foi observada a ligação entre a largura das faixas e a quantidade de acidentes que aconteceram em cada um dos segmentos das ruas entre 2017 e 2019. Os investigadores frisaram que o estreitamento das pistas muito largas auxiliaria a diminuir os índices de sinistros e proporcionaria mais área para a implementação de infraestrutura para os pedestres e ciclistas. Uma ressalva feita pelos pesquisadores no relatório é que nem todas as vias são adequadas para esse redesign, como, por exemplo, aquelas com corredores de ônibus.
Localidades adotam distintos elementos para deixar suas ruas mais seguras
Ocupando mais de 80% do espaço público das cidades, conforme a Associação Nacional de Oficiais de Transporte Municipal (Nacto), as vias nem sempre são pensadas para oferecer proteção para que os seus usuários possam andar a pé, de bicicleta, conduzir, usar o transporte coletivo e socializar. A entidade possui um manual para ajudar as cidades a criarem lugares mais qualificados e seguros para os indivíduos, o Guia de Design de Ruas Urbanas, que traz uma série de princípios e práticas que podem ser adotados pelas localidades para alterar essa realidade.
Entre os elementos detalhados no material estão as calçadas, que desempenham um papel vital, ativando as vias social e economicamente, e devem ser idealizadas para receber tanto quem caminha como árvores e mobiliário – bancos, recipientes de lixo, pontos de ônibus, sinalização e estações de compartimento de bicicletas. O documento traz ainda recomendações sobre a definição de zonas para as fachadas dos empreendimentos e comércios, os pedestres e para os equipamentos urbanos e o meio-fio. Estabelece também parâmetros para a largura das faixas, itens de controle de velocidade vertical e instalação das pistas para o transporte coletivo.
O guia descreve outros itens que precisam ser avaliados por planejadores e gestores públicos durante o processo de concepção de ruas, como a gestão de águas pluviais, faixas de pedestres, cruzamentos entre vias principais e secundárias, rótulas e extensão dos meios-fios. Iniciativas temporárias que podem levar mais segurança para esses ambientes são listadas pelo manual, como os parklets, o fechamento de trechos de ruas para atividades recreativas, festas de bairro, feiras e para outros eventos, ampliação das calçadas, com a colocação de mesas e cadeiras de bares e restaurantes, bancos e vegetação, e a implementação de praças. Medidas essas que podem virar permanentes.
Levantamentos nos Estados Unidos evidenciam que os acidentes de trânsito com pessoas caminhando têm duas vezes mais probabilidade de acontecer em regiões sem calçadas, acrescenta o artigo do TheCityFix. Passeios públicos confortáveis, contínuos e acessíveis são peças-chave para a proteção dos seus usuários, complementa a publicação. A largura sugerida é de, pelo menos, 1,5 a 1,8 metro para espaços com baixo volume de pedestres e de 2,5 metros para os de alta circulação. As calçadas devem contar ainda com rampas para melhorar a acessibilidade, empregar materiais de pavimentação antiderrapantes para reduzir os riscos de quedas e superfícies táteis para cegos.
Converter áreas subutilizadas em lugares de lazer, como praças, é mais uma indicação do TheCityFix, o que pode ser feito com a pintura do ambiente, floreiras, mobiliário urbano, iluminação e paisagismo de baixa manutenção. A cidade de Nova York diminuiu em 16% o excesso de velocidade e em 26% os sinistros no tráfego com essa ação, exemplifica o artigo. Outras estratégias lembradas abrangem a oferta de zonas seguras para as crianças e jovens e o estabelecimento de vias compartilhadas entre pedestres, ciclistas e motoristas. Nessas ruas as barreiras são eliminadas entre os diversos modais, como os desníveis, meios-fios ou marcações no piso, e privilegiam o deslocamento de quem caminha através da disposição de móveis urbanos, da vegetação e dos pontos de encontro social.
Arte como alternativa para reduzir os acidentes de trânsito
A pintura artística do asfalto de vias públicas e de cruzamentos torna as ruas mais protegidas e acolhedoras, aponta estudo da organização sem fins lucrativos Bloomberg Philanthropies, apresentado em 2022. A instituição desenvolve um programa para levar mais arte para as vias com o objetivo de diminuir os atropelamentos e outros sinistros e revitalizar os espaços. As intervenções podem ser murais nas intersecções das ruas, nas faixas de segurança, em praças ou em passagens subterrâneas. Com baixo custo de instalação, a solução contribui também para deixar os motoristas mais atentos e a reduzirem a velocidade com que dirigem.
Essa prática pode levar a uma queda nas taxas de acidentes com veículos, pedestres e ciclistas em até 50%, uma diminuição de 37% nos casos que causam ferimentos e de 17% em todos os eventos no trânsito, de acordo com matéria da Fast Company. O estímulo à pintura das vias faz parte da “Iniciativa Arte no Asfalto” da Bloomberg Philanthropies, que já fez doações para 41 municípios dos Estados Unidos e três da Europa, que resultaram em 45 projetos artísticos nas ruas.
A pesquisa, efetuada pela consultoria Sam Schwartz, verificou 22 intervenções financiadas pela Bloomberg nos Estados Unidos, comparando dados de sinistros antes e depois da introdução das obras de arte, desde 2016. Algumas dessas medidas, afirma a Fast Company, foram concretizadas com poucos milhares de dólares e outras custaram apenas centenas de dólares, enfatizando a viabilidade das ações como essa, que fazem parte das estratégias do urbanismo tático. Apesar do apoio ao programa, a Bloomberg reforça que as propostas orientadas para as artes enfrentam muitos obstáculos, incluindo os regulamentares, o que para a entidade é um efeito da pouca literatura publicada sobre o desempenho de segurança dos locais com arte asfáltica.
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